Favela do Moinho: do abandono da fábrica à luta por moradia na última comunidade do Centro de SP

  • 15/09/2025
(Foto: Reprodução)
Montagem feita com auxílio de inteligência artificial a partir de fotos de diversas fases da Favela do Moinho, no Centro de São Paulo AYRTON VIGNOLA/ESTADÃO; PAULO LIEBERT/ESTADÃO CONTEÚDO; ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO; CAIO CASTOR; e RAUL LUCIANO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Moinho é a última favela remanescente no Centro de São Paulo. Alvo de disputas territoriais e habitacionais, a favela deve desaparecer em breve com a remoção compulsória dos moradores e a transferência da sede do governo para a região. Localizada entre os bairros Campos Elíseos e Bom Retiro, entre duas linhas de trens, a comunidade brotou em um terreno abandonado após a falência da indústria Moinho Central no início da década de 1990. Antes disso, algumas pessoas já se abrigavam na área encoberta pelo viaduto Engenheiro Orlando Murgel. Sua trajetória é marcada por décadas de conflitos habitacionais, grandes incêndios, violência policial, a sombra da gentrificação e a ausência de políticas públicas adequadas, transformando o local em um palco de disputas intensas entre moradores e o poder público. Enquanto o poder público aponta riscos estruturais e de segurança, além da presença do crime organizado, moradores e especialistas denunciam políticas de “higienização social” e processos de gentrificação cujo objetivo é expulsar populações de baixa renda de uma área com potencial no mercado imobiliário. Na segunda-feira (8), a favela virou palco de uma grande operação do Ministério Público. Dez pessoas foram presas acusadas de participar de uma rede criminosa que incluía tráfico de drogas. O alvo principal da ação foi Alessandra Moja, líder comunitária do Moinho (leia mais abaixo). ⬇️ No final desta reportagem, você pode ver um infográfico que mostra a cronologia da Favela do Moinho, da década de 1980 até os dias atuais. Da indústria ao abandono: como surgiu a comunidade O terreno que hoje abriga a Favela do Moinho já foi símbolo industrial. Inaugurado em 1949, o Moinho Central tinha capacidade para moer 450 toneladas de farinha por dia e armazenar até 5.600 toneladas de trigo em seus silos, explica o arquiteto Breno Felisbino em artigo publicado no Arch Daily. Com a crise industrial e a desativação de fábricas no Centro, a região passou a ser ocupada por trabalhadores sem alternativa de moradia. No início dos anos 1990, famílias ergueram barracos sob o Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e, em seguida, expandiram a ocupação para dentro do terreno. “O começo foi muito precário. Um fez uma casa ali, outro acolá, e aquilo foi crescendo. Aos poucos, virou uma comunidade”, contou o documentarista Caio Castor em conversa com o g1. Ele morou no Moinho entre 2012 e 2014. Favela do Moinho, no Centro de SP PAULO LIEBERT/ESTADÃO CONTEÚDO Em 2005, os moradores se organizaram e fundaram a Associação de Moradores da Favela do Moinho. Em contato com a assessoria jurídica gratuita de uma universidade, o grupo ingressou na Justiça Federal com um pedido de usucapião. 🔎 Usucapião é o instrumento jurídico usado para adquirir a propriedade de um bem que, normalmente, está negligenciado pelo proprietário, normalmente sem cumprir uma função social ou econômica. O direito só é garantido se a posse for prolongada (ocupação por tempo determinado em lei), pacífica e sem oposição. Justiça atende pedido da comunidade Em 2008, após quase 20 anos de ocupação, o juiz federal José Marcos Lunardelli, da 17ª Vara Federal, reconheceu de forma liminar a posse do espaço, garantindo provisoriamente o direito à permanência. A conquista, porém, não durou. Em 2024, o Judiciário revogou a decisão, devolvendo a área ao mercado. Favela do Moinho em 2012 Caio Castor Os grandes incêndios de 2011 e 2012 O Moinho também ficou marcado por grandes incêndios. Em dezembro de 2011, um incêndio matou uma pessoa e deixou cerca de 600 famílias desabrigadas. Os moradores afirmam que muitas pessoas morreram na ocorrência e contestam a versão oficial de duas mortes. No ano seguinte, em 2012, outro incêndio atingiu cerca de 200 barracos, ampliando a vulnerabilidade da comunidade. “Muitos moradores entendem esses episódios como tentativas de expulsão”, relata Caio. Foi justamente nesse contexto que o documentarista decidiu viver no local. Ele tinha dois objetivos: ajudar na reconstrução do espaço e fazer o registro histórico da comunidade. Ele participou ativamente dos mutirões de reconstrução e da criação do espaço coletivo "Casa Pública", que se tornou sede da associação. Nesse período, ele e outros parceiros utilizaram o audiovisual para registrar a vida na favela, as invasões policiais e as reuniões com o poder público, utilizando essas imagens para denunciar abusos e informar a comunidade. Caio revelou que pretende produzir um longa-metragem sobre o Moinho como forma de perpetuar a história de luta da favela. Apesar de décadas de reivindicações, apenas em 2022 a comunidade recebeu saneamento básico. Criminalização e operações policiais Em 2017, na gestão João Doria (PSDB), a Prefeitura anunciou uma operação de remoção das famílias. O discurso oficial associava a favela ao tráfico de drogas. O resultado foi a intensificação da repressão policial. Moradores denunciaram prisões arbitrárias, agressões e até a morte de um adolescente de 17 anos durante abordagem da PM. Para Caio, esse processo foi emblemático: “A criminalização do Moinho veio em um momento muito próximo do início da remoção. Associar a comunidade ao crime foi uma forma de justificar a expulsão”, apontou. Aumento das operações após perda do usucapião Em 2024, a Justiça revogou a tutela antecipada de usucapião concedida em 2008, deixando a comunidade sob risco iminente de despejo. Nos meses seguintes, se iniciou uma escalada nos conflitos — tanto o policial quanto o político. Em abril de 2025, moradores protestaram contra a desocupação, mas foram dispersados pela PM com bombas de efeito moral. Segundo o governo, a CDHU tem se reunido com os moradores desde o ano passado e está presente na região para “apresentar opções de atendimento habitacional” e “manter tratativas com as famílias que hoje moram na área, a fim de oferecer moradias dignas e seguras, de acordo com a política habitacional vigente.” Em maio, novas operações do CDHU, acompanhadas por policiais, demoliram casas e forçaram saídas. A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano argumentou que a presença da polícia na favela foi necessária para garantir a segurança dos funcionários do órgão. A comerciante Cíntia Bonfim, de 40 anos, vive no Moinho há quase 20 anos. Ela relatou ao g1 que a violência policial já resvalou em sua família. “Meu sobrinho de 16 anos saiu para comprar pão e um policial apontou o laser no peito dele. Ele chegou em casa apavorado”. Movimentação da tropa de choque da PM na Favela do Moinho, nesta quinta-feira (15) ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Gentrificação e higienização social A urbanista Isadora Guerreiro, do LabCidade da USP, analisa as ações como parte de uma estratégia maior de reestruturação do bairro, que deve ser alvo de uma grande mudança em razão da chegada da sede do governo estadual. Ela entende que o território tem passado por um processo de gentrificação e "higienização". "Toda a região ali está em processo de fechamento de cortiços, de criminalização, inclusive, de todo o comércio popular que existe, para retirada dessas pessoas e limpeza da área para a Parceria Público-Privada (PPP) para a mudança da sede do governo. Com certeza, é um acirramento de conflitos", destacou. A pesquisadora diz que o caso ilustra um modelo em que o combate ao tráfico e a “guerra às drogas” servem de justificativa para transformar áreas populares em espaços de interesse do mercado imobiliário. Renaci Marques, de 48 anos, cresceu na favela. Morador do Moinho desde 1987, ele está com dificuldade para conseguir uma nova casa. Para ele, a CDHU está dificultando a compra de imóveis no Centro: “Sempre desvalorizam os apartamentos que a gente encontra na região para obrigar a aceitar opções que ficam mais longe, em lugares como Itaquera ou Cidade Tiradentes. Mas nossa vida está aqui”, lamentou. Ele afirmou que teme o impacto da mudança em seu trabalho de reciclagem, já que é muito conhecido no Centro. Cíntia Bonfim afirmou que sua documentação para a carta de crédito está parada há cerca de 40 dias, sem previsão de andamento, enquanto, segundo ela, o processo é mais rápido para quem compra diretamente com a CDHU. O futuro incerto da comunidade Em maio de 2025, o governo federal afirmou que paralisaria o processo de cessão da área da favela em razão do modus operandi truculento utilizado pelo estado durante as desocupações. No dia seguinte ao comunicado da União, o Moinho amanheceu com forte presença da tropa de choque da PM. Os moradores fizeram protestos por três dias seguidos. Governos federal e estadual, então, firmaram um acordo para subsidiar imóveis de até R$ 250 mil pelo programa Minha Casa Minha Vida. A União deve arcar com R$ 180 mil e o estado com R$ 70 mil. Na prática, porém, o modelo exige que famílias aceitem sair do Centro. “A gente não quer ir embora. Queremos apenas condições dignas para continuar aqui, onde já construímos nossa vida”, resumiu Renaci. Para Caio Castor, o significado vai além da moradia: “O Moinho é símbolo da resistência contra a expulsão da população pobre do coração de São Paulo”, disse. Até julho de 2025, cerca de 441 famílias — o equivalente à metade dos moradores — já havia deixado a comunidade. Desse total, 280 casas foram descaracterizadas, 103 emparedadas e 14 demolidas. A moradora Cíntia reitera que a comunidade está vivendo em meio a ruínas e o medo é constante. Operação do MP na favela Na última semana, uma operação prendeu dez pessoas na favela. A investigação defende que Alessandra Moja agia para defender os interesses do irmão Leonardo Moja, conhecido como Leo do Moinho, que chefiava o tráfico no local e foi preso no ano passado. O MP argumenta que a Favela do Moinho funcionava como um "quartel-general" do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Centro da capital por meio do tráfico de drogas, extorsão de moradores e da lavagem de dinheiro. Nas redes sociais, o perfil da Favela do Moinho se manifestou em relação às prisões. O texto diz que as autoridades forjaram drogas na casa de Alessandra para criar uma situação de flagrante delito. A nota diz que Alessandra e a filha, que também foi presa, são reconhecidas por sua atuação na luta por moradia e direitos das cerca de mil famílias da comunidade. "A presença do PCC está literalmente em todos os lugares. Vai estar no Moinho, vai estar na Faria Lima, vai estar em vários lugares. Acho que a gente tem que falar o quanto a guerra às drogas tem servido de cortina de fumaça para outros interesses, sejam imobiliários, no caso da reestruturação de Campos Elísios, sejam políticos", pontuou Isadora Guerreiro. Cronologia da Favela do Moinho, em SP Arte/g1

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/15/favela-do-moinho-do-abandono-da-fabrica-a-luta-por-moradia-na-ultima-comunidade-do-centro-de-sp.ghtml


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